Identificação em massa

Partindo da ideia de que todos os usuários devem estar identificados para poder usar redes sociais e serviços de mensageria privada, o PL 2630/20, em seus artigos 5º, inciso I e 7º, institui um regime de identificação em massa de usuários de redes sociais e serviços de mensageria privada, ao estabelecer o conceito de “conta identificada” e ao estipular que indivíduos deverão apresentar documentos de identidade válidos a partir de simples denúncias ou indício de simulação de identidade. No caso do Artigo 5º, inciso I, o PL define que as redes sociais só poderão funcionar com “contas identificadas”. Já o Artigo 7º está baseado em termos extremamente vagos e genéricos, abrindo margem para que qualquer denúncia feita no escopo da plataforma, por qualquer usuário, possa desencadear o processo de requisição de confirmação de identificação. 

O responsável por solicitar comprovação da identidade será a plataforma, que passará a ter o poder de polícia de julgar violações ao direito brasileiro, considerando que a lei as obriga a desenvolver medidas para “detectar fraude no cadastro e o uso de contas em desacordo com a legislação”.

Obrigar usuários a conceder informações constantes em documento de identidade oficial para plataformas tornará compulsória uma coleta ainda maior de dados pessoais que, caso venham a ser expostos ou utilizados de forma antiética, poderão tornar a população ainda mais vulnerável a conteúdos desinformativos. Isso porque informações falsas são construídas sob medida para diferentes grupos de indivíduos. Pessoas são categorizadas de acordo com sua opinião política, faixa etária, classe social e até mesmo condição de saúde para receber conteúdo específico, criado de modo a otimizar o poder de convencimento sobre determinada pessoa.

O direcionamento dessa informação é feito com base no tratamento de dados pessoais. A partir de informações obtidas em redes sociais sobre seus usuários, criadores de desinformação têm as ferramentas necessárias para identificar quais as pessoas mais suscetíveis de serem manipuladas com o conteúdo que oferecem. Esse foi inclusive o modo de operação da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que trabalhou para as campanhas do Brexit e de Donald Trump, cuja propagação de desinformação levou a um escândalo mundial.

Além disso, é bem provável que esse regime de identificação não seja eficiente, diante das técnicas já utilizadas para burlar mecanismos de identificação de envio de mensagens em massa. Durante as eleições de 2018, foi identificado, por exemplo, que agências que atuavam na criação de conteúdo desinformativo utilizavam chips com códigos de área de outros países para barrar os filtros de spam feitos pelo Whatsapp. Soma-se a isso o fato de que é altamente disseminada a prática de falsificação de documentos oficiais no Brasil. Só no estado de Minas Gerais, por exemplo, 75% dos crimes de fraude registrados são vinculados à falsificação de documentos.

Isso mostra como é falho o sistema que pretende combater a desinformação com base na comprovação de identidade por documento oficial. Somente o cidadão comum será afetado por essa medida, tendo ainda mais dados seus sendo coletados desnecessariamente.

Neste sentido, o regime de identificação proposto também viola princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), mais especificamente os da finalidade, necessidade e adequação. A LGPD instituiu um regime que estipula que dados pessoais só podem ser utilizados em hipóteses específicas, e desde que esse uso seja estritamente necessário e compatível com a finalidade que se almeja. O art. 7º do PL 2.630, entretanto, ao determinar a identificação compulsória nos casos descritos, afronta essa lógica de coleta de dados restrita ao mínimo necessário, afetando a privacidade e a proteção de dados e colocando o direito à autodeterminação informativa de cada indivíduo em cheque.

Por fim, a medida pode expor pessoa, organizações que realizam denúncias (de corrupção, na área ambiental, no movimentos negro, LGBTQI+, entre outros) e defensores de direitos humanos que atuam de forma anônima nas redes inclusive correrem risco de vida caso sejam identificados. 

Considerando as falhas descritas acima a respeito do mecanismo de identificação compulsória massiva, a Coalizão Direitos na Rede defende a supressão do art. 5º, I, e do art. 7º, do PL 2.630/20.